O que está por trás do uso excessivo dos artifícios tecnológicos? A tecnologia pode ajudar?
http://www.comportese.com/2013/11/o-que-esta-por-tras-do-uso-excessivo.html
No meu texto anterior escrevi sobre como o mau uso da tecnologia está afetando as relações
interpessoais, enfatizei o fato de que as pessoas estão se afastando de
seus círculos de convivência reais e vivendo em um mundo virtual.
Parafraseando Einstein (“Eu temo o dia em que a tecnologia ultrapasse
nossa interação humana, e o mundo terá apenas uma geração de idiotas”),
podemos dizer que a tecnologia já ultrapassou a interação humana, eu
temo a geração que está surgindo, é uma geração de pessoas com um pobre
repertório comportamental, é uma geração de pessoas que sofrem de uma
ansiedade da informação.
As pessoas se habituaram
a ficar com seus celulares, computadores ou tablets conectados à
internet 24 horas por dia e quando se percebem sem o seu aparelho ou sem
conexão, a ansiedade dessas pessoas sobem a um nível assustador.
Médicos ingleses chamam essa necessidade de manter-se conectado o tempo
todo de nomofobia. O nome vem de “no mobile phobia”, que traduzido seria
“medo de ficar sem celular”. O celular parece que virou uma extensão do
corpo.
Já ouvi relatos do tipo: “se
não estou com meu celular me sinto pelado (a), fico totalmente perdido
(a), fico ansioso (a), não consigo me concentrar direito, sinto tensão
nos ombros e quero sair logo de onde estou e pegar meu celular, e não
basta só o celular é preciso estar conectado à internet, vai que nesse
meio tempo eu recebo um torpedo, ou e-mail ou algo de interessante
acontece e eu fico sabendo só mais tarde, aí já fiquei pra trás”.
É frequente ouvir relatos como este e a partir dele percebemos que o uso
exagerado desses dispositivos eletrônicos portáteis (celulares,
tablets, iphones, mp3, notebooks), conhecidos também como gadgets, não
só está afastando as pessoas, mas também está causando outros tipos de
problemas à saúde, entre eles estão a obesidade, problemas de postura
(dores nas costas e pescoço), problemas visuais, insônia, dificuldades
de aprendizagem e o mais comum nos consultórios de psicologia e
explícito no relato acima, são os chamados transtornos de ansiedade.
A ansiedade é definida como um estado de humor desconfortável,
acompanhada de sensações físicas como: frio no estômago ou na espinha,
opressão no peito, palpitações, transpiração, dor de cabeça, falta de
ar, dentre outros sintomas.
A ansiedade é um sinal de alerta, que adverte sobre perigos iminentes e
capacita o indivíduo a tomar medidas para enfrentar ameaças. A ansiedade
prepara o indivíduo para lidar com situações potencialmente danosas,
como punições ou privações, ou qualquer ameaça a unidade ou integridade
pessoal, tanto física como moral. Desta forma, a ansiedade prepara o
organismo a tomar as medidas necessárias para impedir a concretização
desses possíveis prejuízos, ou pelo menos diminuir suas consequências.
Portanto a ansiedade é uma reação natural e necessária para a
autopreservação.
Segundo Andrade e Gorenstein (1998), a ansiedade é um estado emocional
que faz parte do espectro normal das experiências humanas e apresenta
componentes psicológicos e fisiológicos.
Bernik (1999) afirma que quatro componentes estão presentes nas
manifestações de ansiedade, ou seja, manifestações cognitivas
(pensamentos de apreensão quanto a um desfecho negativo de uma
situação), emocionais (vivencias subjetivas de desprazer ou
desconforto), comportamentais (inquietação, sobressalto, evitação, etc.)
e somáticas (hiperatividade autonômica, tensão muscular, etc.).
A ansiedade passa a ser patológica quando não existe um objeto
específico ao qual se direcione ou quando é desproporcional à situação
que a desencadeia. Uma pessoa que tenha uma reação ansiosa inadequada
e/ou extrema ou de longa duração a um determinado acontecimento pode
estar sofrendo de algum tipo de transtorno de ansiedade. De acordo com o
DSM IV os transtornos de ansiedade classificados são: transtorno de
pânico com ou sem agorafobia, transtorno obsessivo-compulsivo,
transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de estresse agudo,
transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade devido a
uma condição médica geral, transtorno de ansiedade induzida por
substância, transtorno de ansiedade não especificado, agorafobia sem
história de transtorno de pânico, fobia específica, fobia social.
O padrão comportamental característico dos transtornos de ansiedade, de
acordo com grande parte da literatura, é a esquiva fóbica: na presença
de um evento ameaçador ou incômodo, o indivíduo emite uma resposta que
elimina, ameniza ou adia esse evento. O que diferencia cada um destes
transtornos é o tipo de evento experimentado como ameaçador ou incômodo
e/ou o tipo de resposta na qual o sujeito se engaja de forma a produzir
uma diminuição do contato com o estímulo aversivo (processos de
fuga/esquiva). As respostas envolvidas nesse processo podem ser
classificadas topograficamente como respostas de evitação e/ou
eliminação do estímulo temido, assim como respostas de verificação ou
outras respostas repetitivas que pospõem ou eliminam temporariamente a
ameaça da apresentação desse estímulo. (Banaco e Zamignani, 2004). A
evitação ajuda a manter os sintomas de ansiedade, pois impede o
indivíduo de aprender que o objeto temido de fato não é perigoso, ou
pelo menos não é tão perigoso quanto o paciente imagina.
Dentre
os transtornos de ansiedade a fobia social é um dos transtornos mais
comum que está por trás do uso excessivo dos gadgets. Virtualmente o
fóbico social se mostra como ele gostaria de ser na realidade. Ele se
comunica com o mundo por trás das telas. Os fóbicos sociais dizem que
gostaria de se comunicar tão bem no seu círculo de convivência real
assim como fazem em seu mundo virtual. A internet é considerada por eles
um ambiente seguro para se relacionar com os amigos virtuais, uma vez
que é um ambiente repleto de reforços e bem menos aversivo. No facebook a
cada curtida ou comentário (reforço positivo) que ele recebe em suas
postagens demonstra o quão popular ele é “virtualmente”. Quanto mais
curtidas e mais comentários receber maior a probabilidade de que este
comportamento seja repetido no futuro.
Um aplicativo que vem sendo bastante utilizado por jovens é o Line,
a propaganda diz “Fale menos, Line mais. Você diz muito mais com os
milhares de stickers do Line”, uma ferramenta e tanto para os fóbicos
sociais, uma vez que eles sentem-se acuados quando as pessoas olham para
eles. Imaginam que quando estão sob a mira do olhar do outro estão
sendo observado e avaliado, o que aumenta o grau de ansiedade. Neste
aplicativo é possível as pessoas se comunicarem por mensagens e
demonstrarem suas emoções/sentimentos através desses stickers
divertidos.
As pessoas diagnosticadas com este transtorno apresentam uma
hipersensibilidade a críticas, mantêm uma avaliação negativa a respeito
de si mesma, se sentem inferiorizadas, e apresentam grande dificuldade
em serem assertivas (Lamberg, 1998; Stopa; Clark, 1993). Um
comportamento assertivo envolve a afirmação dos próprios direitos e a
expressão de pensamentos, sentimentos e crenças de maneira direta,
honesta e apropriada, de modo a não violar o direito das outras pessoas
(Lange & Jakubowski, 1978).
De acordo com Alberti e Emmons (1973/1978) pessoas que apresentam
respostas assertivas em situações sociais, tem um nível de ansiedade
baixo em relação às pessoas que tem dificuldade de serem assertivas. Os
fóbicos sociais por apresentarem essa dificuldade de serem assertivos
apresentam um nível alto de ansiedade em situações sociais. Eles se
esquivam a todo custo de qualquer situação social, mas quando é
inevitável se expor, os fóbicos sociais o fazem com grande sofrimento e
na internet o sofrimento é menor. Por este lado a internet ou as
mensagens de texto pelos celulares são grandes aliados dessas pessoas
uma vez que a exposição não é ao vivo, eles ficam confortavelmente
escondidos atrás das telas, mas por outro lado eles deixam de se expor e
continuam nesse ciclo de ansiedade.
A melhor intervenção para o tratamento psicológico da fobia social é a
exposição. A técnica de exposição consiste em expor o cliente repetidas
vezes e por um tempo prolongado às situações que provocam desconforto ou
ansiedade, geralmente maximizando a estimulação aversiva. As exposições
geralmente são realizadas de forma gradual, partindo dos estímulos que
produzem menor sofrimento ou sofrimento moderado, em direção àqueles
mais perturbadores. As sessões de exposição aos estímulos ansiogênicos
podem ser realizadas de forma imaginária ou in vivo (exposição real).
Além disso, os pacientes são instruídos a engajar-se em exercícios
adicionais de exposição entre as sessões terapêuticas (Riggs e Foa,
1999).
O fóbico social evita o contato visual e o uso do celular é muito usado
por eles para evitar olhar para as pessoas. Quando ele está numa
situação de exposição o ideal é ele não usar o celular ou tablet
enquanto estiver na situação social. O uso de celulares traz um alívio
momentâneo da ansiedade, pois ele está na situação geradora de
ansiedade, mas não a está enfrentando. Quando ele vai para essas
situações com seu celular conectado à internet ele continua no seu mundo
virtual.
Mas ela (tecnologia) não é todo um mal, não estou atribuindo à
tecnologia a causa desses transtornos. Esses problemas sempre existiram,
mas com os avanços tecnológicos eles tomaram outra cara. Eu faço uso e
muito desses artifícios tecnológicos, imagine como vocês iriam ter
acesso a este texto se não fosse ela? Sem ela muita gente não teria a
chance de seguir estudando e galgando degraus. Mais de 15% dos
universitários brasileiros estão hoje matriculados na modalidade de
ensino superior à distância, em que quase tudo é on-line, diz uma
reportagem publicada recentemente na Revista Veja. O que dizer então de
Skinner que na década de 60, desenvolveu as “máquinas de ensinar”,
naquela época ele se mostrou muito a frente de seu tempo, foi um grande
avanço tecnológico. E para os fóbicos sociais de plantão, a tecnologia
está sendo utilizada em uma pesquisa realizada por uma psicóloga que vem
tratando portadores desse transtorno. Com um programa de computador os
pacientes são submetidos virtualmente às situações sociais que mais lhe
trazem desconforto. O trabalho desta psicóloga tem como base a terapia
cognitiva comportamental e a técnica de exposição.
Afinal de contas: A tecnologia pode ajudar? Sim eu acho que a tecnologia
pode ajudar, nos dias de hoje é um grande desafio para nós se
desconectar da tecnologia. Ninguém mais hoje vive sem a tecnologia, por
mais simples que ela seja, seria um retrocesso se eliminássemos todos
esses avanços. Eliminar a pesquisa científica significaria, agora, um
retorno a forme e à peste, e aos trabalhos exaustivos de uma cultura
escrava, como disse Skinner no capítulo “A ciência pode ajudar?” em seu
livro “Ciência e Comportamento Humano”. Talvez não seja a ciência que
está errada, mas sua aplicação. Talvez não seja a tecnologia que está
errada, mas o mau uso dela.
Referências
ALBERTI, R. E.; EMMONS, M. L. (1973/1978). Comportamento Assertivo: um guia de auto expressão. Belo Horizonte: Interlivros.
Andrade, L. H. S. G.; Gorenstein, C.
(1998). Aspectos gerais das escalas de avaliação de ansiedade. Revista
de Psiquiatria Clínica, 25(6), 285-90.
Banaco, R. A.; Zamignani, D. R.
(2004). Um panorama analítico – comportamental sobre os transtornos de
ansiedade. PUC. São Paulo. 2004
Bernik, M. A. (1999). Ansiedade Normal e Patológica. Em Benzodiazepínicos. (pp. 59-67). São Paulo: EDUSP.
LAMBERG, L. (1998). Social phobia: Not Just another name for shyness. Journal of Clinical Psychiatry, 60 (suppl 18), 22-26.
SKINNER, B.F. (2000). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.
STOPA, L & CLARK, D. M. (1993). Cognitive process in social phobia. Behaviour Research and Therapy, 31 (2), 255-267.
RIGGS, D. S.; FOA, E. B. (1999).
Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Em: David, H. Barlow: Manual Clínico
dos Transtornos Psicológicos. Porto Alegre: Artmed.
Revista VEJA - Edição 2341 - 02 de Outubro de 2013 - A Educação do futuro agora
Tratamento com realidade virtual ajuda a reduzir ansiedade: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2013/05/06/tratamento-com-realidade-virtual-ajuda-a-reduzir-ansiedade.htm