Bruno e Marilena sobrevivem fazendo bicos na capital francesa e moram de favor em uma casa na periferia. |
A "ditadura militar" acabou há 25 anos, mas, por mais estranho que pareça, ainda existem cidadãos brasileiros vivendo no exílio. É o caso de uma família de Santo André, no ABC paulista, que mora em endereço sigiloso num subúrbio de Paris, desde 2006, para fugir de ameaças de morte. Bruno José Daniel Filho, 57 anos, irmão do prefeito assassinado Celso Daniel, e a mulher, Marilena Nakano, 62 anos, são cidadãos legalmente refugiados na França, onde sobrevivem com trabalhos temporários. Apesar de o Brasil viver o mais longo período democrático de sua história, eles apresentaram documentos ao governo francês nos quais afirmam correr risco no País. Assim conseguiram autorização para morar na França com os três filhos. Por insistir que Celso Daniel, assassinado há oito anos, foi vítima de um crime político e, por encomenda, foi torturado e morto, o casal sofreu pressões e preferiu enfrentar as dificuldades da vida no exílio. “Aqui em Paris nunca conseguimos trabalho estável, apesar de recebermos solidariedade de muitos”, diz Bruno. “Essa instabilidade, que atinge mais fortemente os estrangeiros mais velhos, dificulta nossa integração.”
A vida de refugiado é dura, segundo o casal. No primeiro ano em Paris, em 2006, Bruno compartilhou com sua família um espaço de apenas 30 metros quadrados . No ano seguinte, a situação piorou e os brasileiros dividiram um pequeno apartamento com outras famílias de refugiados, cada uma em um quarto, sem espaços coletivos, em bairro de imigrantes. Havia na residência gente da Rússia, do Tibete e Sri Lanka. “Não reclamo dos ratos que tive que matar neste apartamento, do banheiro coletivo usado por 11 pessoas que lavei todos os dias”, desabafa Marilena. “Reclamo, sim, do direito que me tiraram de viver em meu país.” Ela conta que alguns vizinhos de outros países não conseguiram garantir o refúgio e tiveram que voltar para a sua terra de origem, onde acabaram assassinados. Desde janeiro, eles passaram a morar numa casa na periferia, emprestada por amigos. “O refúgio é algo muito mais dramático do que eu poderia imaginar”, afirma Bruno.
O casal diz que o pedido de refúgio foi pensado a partir da morte de testemunhas do caso Celso Daniel. O último dos oito assassinatos ligados ao caso do ex-prefeito foi o do legista Carlos Delmonte Priante, que descartou crime comum e sustentou que Celso foi brutalmente torturado antes de ser executado. Vieram, então, as ameaças à família, que posteriormente foram detalhadas ao governo da França, sob compromisso de sigilo, para reconhecimento do refúgio. Mesmo vivendo em Paris, Bruno conta que “coisas muito estranhas” acontecem, como a demora de até três meses para receber correspondências, além de e-mails que tardam a chegar. O e-mail é o único tipo de comunicação segura do casal. “Há cerca de dois meses recebemos de um amigo jornalista uma correspondência cujo envelope chegou todo rasgado, a ponto de o correio francês colocar num saco plástico transparente, que nos foi enviado”, diz Bruno. “Paranoia?”, questiona.
No pedido de asilo ao governo francês, Bruno afirmou que a permanência da família no Brasil ficou insustentável a partir de outubro de 2005, quando ele e o irmão João Francisco confirmaram na CPI dos Bingos, no Senado, que tiveram conhecimento de esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André, envolvendo arrecadação de propina para o PT. “Passamos a receber ameaças, a conviver com seguranças armados, porém amedrontados. Quase toda a nossa rotina ficou de pernas para o ar”, diz Bruno. “Quando as ameaças começaram a ser dirigidas aos nossos filhos, a vida se tornou insuportável no Brasil, foi um verdadeiro terror.”
A opção mais segura foi o refúgio na França. Lá, a família ganha dinheiro fazendo bicos. Entre os trabalhos que o casal encontra em Paris estão tarefas temporárias em secretarias de universidade para passar notas de alunos ou telefonar aos docentes para informar sobre falta de documentos. Também executam tarefas triviais como levar papéis de um lado para o outro. No Brasil, Bruno era professor de economia. O casal não pode retornar ao País, pois perderia o direito ao refúgio, de acordo com as condições impostas pelo Escritório Francês de Proteção de Refugiados. Com isso, eles não conseguem nem visitar os parentes doentes. “Você me pega num momento particularmente difícil. Um de meus irmãos está com câncer, passou pela UTI esta semana e ainda está hospitalizado”, diz Marilena. “Sabe o que é ter uma pessoa da sua família doente e você não poder estar ao lado dela?” Em 2006, o irmão mais velho de Marilena morreu no Brasil e ela não compareceu ao velório. Em 2008, a mãe de Bruno faleceu e ele também não acompanhou o velório.
A vida de refugiado é dura, segundo o casal. No primeiro ano em Paris, em 2006, Bruno compartilhou com sua família um espaço de apenas 30 metros quadrados . No ano seguinte, a situação piorou e os brasileiros dividiram um pequeno apartamento com outras famílias de refugiados, cada uma em um quarto, sem espaços coletivos, em bairro de imigrantes. Havia na residência gente da Rússia, do Tibete e Sri Lanka. “Não reclamo dos ratos que tive que matar neste apartamento, do banheiro coletivo usado por 11 pessoas que lavei todos os dias”, desabafa Marilena. “Reclamo, sim, do direito que me tiraram de viver em meu país.” Ela conta que alguns vizinhos de outros países não conseguiram garantir o refúgio e tiveram que voltar para a sua terra de origem, onde acabaram assassinados. Desde janeiro, eles passaram a morar numa casa na periferia, emprestada por amigos. “O refúgio é algo muito mais dramático do que eu poderia imaginar”, afirma Bruno.
O casal diz que o pedido de refúgio foi pensado a partir da morte de testemunhas do caso Celso Daniel. O último dos oito assassinatos ligados ao caso do ex-prefeito foi o do legista Carlos Delmonte Priante, que descartou crime comum e sustentou que Celso foi brutalmente torturado antes de ser executado. Vieram, então, as ameaças à família, que posteriormente foram detalhadas ao governo da França, sob compromisso de sigilo, para reconhecimento do refúgio. Mesmo vivendo em Paris, Bruno conta que “coisas muito estranhas” acontecem, como a demora de até três meses para receber correspondências, além de e-mails que tardam a chegar. O e-mail é o único tipo de comunicação segura do casal. “Há cerca de dois meses recebemos de um amigo jornalista uma correspondência cujo envelope chegou todo rasgado, a ponto de o correio francês colocar num saco plástico transparente, que nos foi enviado”, diz Bruno. “Paranoia?”, questiona.
No pedido de asilo ao governo francês, Bruno afirmou que a permanência da família no Brasil ficou insustentável a partir de outubro de 2005, quando ele e o irmão João Francisco confirmaram na CPI dos Bingos, no Senado, que tiveram conhecimento de esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André, envolvendo arrecadação de propina para o PT. “Passamos a receber ameaças, a conviver com seguranças armados, porém amedrontados. Quase toda a nossa rotina ficou de pernas para o ar”, diz Bruno. “Quando as ameaças começaram a ser dirigidas aos nossos filhos, a vida se tornou insuportável no Brasil, foi um verdadeiro terror.”
A opção mais segura foi o refúgio na França. Lá, a família ganha dinheiro fazendo bicos. Entre os trabalhos que o casal encontra em Paris estão tarefas temporárias em secretarias de universidade para passar notas de alunos ou telefonar aos docentes para informar sobre falta de documentos. Também executam tarefas triviais como levar papéis de um lado para o outro. No Brasil, Bruno era professor de economia. O casal não pode retornar ao País, pois perderia o direito ao refúgio, de acordo com as condições impostas pelo Escritório Francês de Proteção de Refugiados. Com isso, eles não conseguem nem visitar os parentes doentes. “Você me pega num momento particularmente difícil. Um de meus irmãos está com câncer, passou pela UTI esta semana e ainda está hospitalizado”, diz Marilena. “Sabe o que é ter uma pessoa da sua família doente e você não poder estar ao lado dela?” Em 2006, o irmão mais velho de Marilena morreu no Brasil e ela não compareceu ao velório. Em 2008, a mãe de Bruno faleceu e ele também não acompanhou o velório.
“Não reclamo dos ratos que tive que matar neste apartamento nem do banheiro coletivo usado por 11 pessoas que lavei todos os dias”
Marilena Nakano
Marilena Nakano
O que Marilena considera mais injusto é sua família ser obrigada a sofrer as agruras do exílio na França, enquanto o Brasil consolida o regime democrático. Para ela, a dor é ainda maior quando não se sabe exatamente quem são os “inimigos” da família. “Nesse nosso exílio há algo que nos dilacera: a existência da dúvida de onde partiram as ameaças. Elas podem ter vindo de pessoas do crime organizado, podem ter vindo de pessoas que conhecíamos, antigos companheiros”, diz Marilena. O casal não quer polemizar com outros parentes do ex-prefeito Celso Daniel que não concordam com a tese do assassinato de mando ou com o envolvimento de petistas históricos no crime. Preferem não recriminar Miriam Belchior, ex-mulher de Celso Daniel, que é coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento na Presidência da República. Questionado sobre a opção de Miriam de assumir um cargo na Casa Civil, Bruno responde: “Quanto à Miriam Belchior, acho mais adequado fazer a pergunta a ela. Isto envolve uma posição política que Miriam escolheu.” Procurada por ISTOÉ, Miriam não quis falar sobre o assunto.
Importantes autoridades em direitos humanos concordam que o assassinato de Celso Daniel não foi devidamente solucionado. O advogado da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Augustino Veit, diz que não há justificativa para o Brasil ter cidadãos refugiados no Exterior e defende investigação profunda da morte do ex-prefeito. “Não há como botar uma pedra em cima daquilo que não foi esclarecido; a verdade fica sempre pairando”, afirma Veit. Para o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, o pedido de refúgio não significa que o casal tenha sido perseguido pelo Estado. “Perseguição pelo aparelho de Estado? Não necessariamente”, diz o ministro.
Bruno José Daniel e Marilena Nakano insistem em uma investigação independente e aprofundada. E pedem que a Justiça marque logo o julgamento do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, um dos acusados de envolvimento no crime. Mas acreditam que há interferências poderosas para que isso não ocorra. “Podemos supor que as articulações que impedem que o caso avance e que nos fizeram sair do País envolvem diretamente petistas e não petistas membros do Executivo e do Legislativo e talvez sua influência no terceiro Poder, o Judiciário.
Importantes autoridades em direitos humanos concordam que o assassinato de Celso Daniel não foi devidamente solucionado. O advogado da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Augustino Veit, diz que não há justificativa para o Brasil ter cidadãos refugiados no Exterior e defende investigação profunda da morte do ex-prefeito. “Não há como botar uma pedra em cima daquilo que não foi esclarecido; a verdade fica sempre pairando”, afirma Veit. Para o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, o pedido de refúgio não significa que o casal tenha sido perseguido pelo Estado. “Perseguição pelo aparelho de Estado? Não necessariamente”, diz o ministro.
Bruno José Daniel e Marilena Nakano insistem em uma investigação independente e aprofundada. E pedem que a Justiça marque logo o julgamento do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, um dos acusados de envolvimento no crime. Mas acreditam que há interferências poderosas para que isso não ocorra. “Podemos supor que as articulações que impedem que o caso avance e que nos fizeram sair do País envolvem diretamente petistas e não petistas membros do Executivo e do Legislativo e talvez sua influência no terceiro Poder, o Judiciário.