História Secreta da KGB
“História Secreta da KGB” é o
livro que relata toda a verdade sobre a organização russa. O seu autor, que
durante anos recolheu secretamente a informação do livro, vê-se, assim, obrigado
a viver sob um nome falso, numa casa vigiada, fora do país.
By Ralph Kinney Bennett
Quando era ainda um jovem
funcionário do KGB, Vassili Mitrokhin fez alguns comentários críticos sobre as
actividades da agência de espionagem durante a era de Estaline. Apesar de o
ditador estar morto e oficialmente repudiado, Mitrokhin foi punido por ter
falado demais. Transferiram-no das operações de campo para um posto burocrático
nos arquivos do KGB. Esta transferência iria levar a uma falha de segurança
monumental, que ainda hoje tem consequências.
Ao longo dos anos, Mitrokhin,
que lidava com os documentos mais secretos do KGB, foi ficando cada vez mais
desiludido com o sistema que a organização de espionagem, sabotagem e
terrorismo pretendia preservar.
Laboriosamente, começou a
copiar à mão um grande número de documentos e a esconder as suas notas. O seu
móbil era «assegurar que a verdade não seria esquecida e que a posteridade
pudesse um dia vir a tomar conhecimento dela».
A verdade não seria esquecida,
graças a um livro espantoso: O Arquivo Mitrokhin. A História Secreta da KGB.
Escrito por um historiador da Universidade de Cambridge, Christopher Andrew,
com a colaboração de Mitrokhin, este volume é a primeira grande exposição
pública do material recolhido pelo antigo funcionário do KGB: uma história
clandestina, em bruto, do grande combate entre o comunismo soviético e o mundo
livre. O conteúdo do arquivo de Mitrokhin abrange factos que vão do espantoso e
do sinistro à farsa: os nomes verdadeiros e de código dos agentes soviéticos
infiltrados no Departamento de Estado e noutros sectores do Governo dos Estados
Unidos e as identidades de cientistas importantes que entregaram os segredos da
bomba atómica a Moscovo. As histórias que o KGB «plantou» nos meios de
comunicação de todo o Mundo acusando os militares norte-americanos de terem
inventado a sida e americanos ricos de «adoptarem» crianças do Terceiro Mundo
para lhes roubarem órgãos.
Lá estão também registados
exemplos do mesquinho e do grotesco. Furioso com a deserção do grande bailarino
Rudolf Nureiev, o KGB conseguiu que provocadores atirassem vidros partidos para
o palco durante a sua primeira grande apresentação no Ocidente. Concebeu até um
plano para lhe partir as pernas, descrito no burocratês do KGB como uma acção
«destinada a diminuir as suas capacidades profissionais». Em 1972, o I
Directório (informação e contra-informação no estrangeiro) encetou uma mudança,
que iria durar toda uma década, do centro de Moscovo para os subúrbios, e
Mitrokhin foi incumbido da tarefa de indexar e selar os seus 300 000 ficheiros.
Sozinho, passava os documentos em revista e depois colocava-os em contentores
selados, que escoltava pessoalmente até às novas instalações. Tinha acesso a
tudo, incluindo os ficheiros muito secretos do Directório S, que se ocupava de
todos os agentes soviéticos ilegais: cidadãos de outros países, recrutados como
funcionários ou agentes, que operavam no estrangeiro na mais rigorosa
clandestinidade.
Mitrokhin começou a copiar
material destes ficheiros em pedaços de papel, que levava para casa escondidos
nos sapatos. Gradualmente, começou a perceber que os funcionários do KGB do seu
nível não eram revistados pelos guardas da segurança, que se limitavam a, de
vez em quando, inspeccionar-lhes os sacos e as pastas. Assim, começou a levar
os seus apontamentos em folhas de papel que metia nos bolsos. Todos os
fins-de-semana, levava maços de notas para a sua datcha nos arredores de
Moscovo, onde as batia à máquina e as metia numa batedeira de leite escondida
sob o soalho. Com os anos, as notas transformaram-se num enorme arquivo,
escondido numa série de caixotes e baús.
Ao ler os ficheiros,
Mitrokhin apercebeu-se do papel vital do KGB para manter o poderio militar da
União Soviética, um Estado policial fortemente dependente da ciência e
tecnologia ocidental, sobretudo norte-americana. Foi em grande parte graças à
espionagem, escreveram Andrew e Mitrokhin, que a União Soviética se manteve
como uma superpotência no plano militar, enquanto a sua «mortalidade infantil e
outros índices de penúria social» eram muito piores que os dos Estados Unidos e
da Europa Ocidental.
Se a União Soviética era,
como lhe chamou Ronald Reagan, o Império do Mal, o KGB era, como veio a
chamar-lhe Mitrokhin, a Máquina do Mal, que permitia ao império funcionar.
Entretanto, o KGB reagia com «ferocidade» a qualquer tentativa de tornar
públicas as suas operações. Um primeiro exemplo foi a publicação, em 1974, do
livro KGB: The Secret Work of Soviet Secret Agents, de John Barron, então um
editor da Reader’s Digest.
O livro «deu origem a pelo
menos 370 avaliações de danos sofridos e outros relatórios» do KGB. O agente do
KGB residente em Washington recebeu instruções para descobrir tudo o que
pudesse sobre o passado de Barron e pôr em prática «medidas activas» para
desacreditá-lo. Estas medidas incluíam esforços grosseiros para retratá-lo como
parte de uma «conspiração sionista» contra a União Soviética. Foram mesmo
decretadas medidas para desacreditar jornalistas que tivessem feito críticas do
livro ou usado informação recolhida nele.
Em Março de 1992, após o
colapso da União Soviética, Mitrokhin pegou nalguns exemplos das notas do seu
arquivo e apanhou um comboio nocturno da Rússia para uma das repúblicas do
Báltico (não quer revelar qual). Contactou a Embaixada dos Estados Unidos, mas
a recepção que lhe deram não foi entusiástica. Os funcionários
norte-americanos, aparentemente, estavam a braços com uma enxurrada de
dissidentes. Foi mais bem tratado na Embaixada Britânica. Algum tempo depois,
os serviços secretos britânicos trouxeram-no, mais a família e os arquivos,
para fora da Rússia. Hoje é cidadão britânico.
Os ficheiros já serviram para
a condenação de Robert Lipka, um espião soviético infiltrado na Agência
Nacional de Segurança norte-americana, a NSA. Também denunciaram Melita
Norwood, uma cidadã britânica que entregou segredos científicos importantes aos
Soviéticos durante e após a II Guerra Mundial. Não foi presa e declara não se
arrepender do que fez. À medida que o seu conteúdo for totalmente desvelado, o
arquivo poderá revelar milhares de nomes de agentes.
Entretanto, um elemento
revelado em O
Arquivo Mitrokhin precisa de ser urgentemente resolvido. O
KGB teria enterrado rádios, armas e explosivos em esconderijos espalhados por
toda a Europa e Estados Unidos, parte de um plano soviético para sabotar
condutas, centrais eléctricas, cabos de alta tensão, barragens, reservatórios e
outras instalações na eventualidade de uma guerra. Já foram descobertos
esconderijos com equipamento de rádio na Suíça e na Bélgica. Diz-se que outros
estão localizados no norte do estado de Nova Iorque, no Minnesota, Montana,
Califórnia e Texas.
Poderia alguns destes
esconderijos incluir dispositivos nucleares? Um ex-militar de alta patente da
União Soviética indicou que os Soviéticos produziram 132 bombas nucleares do
tamanho de malas. O republicano Curt Weldon, membro da Comissão das Forças
Armadas da Assembleia de Representantes dos EUA, diz que o ministro da Defesa
russo, Igor Sergueiev, confirmou a existência destas bombas de 1 quilotonelada.
Mas os Russos só teriam reconhecido a existência de 48 destas armas.
«Há pelo menos a hipótese de
que uma ou mais destas armas nucleares esteja escondida algures em território
norte-americano», diz Weldon. «A Rússia deve esclarecer esta matéria indicando
a localização exacta dos esconderijos.» Até hoje, a Rússia não o fez, e a sua
resposta a O Arquivo Mitrokhin não é tranquilizadora. O Governo Russo
desvalorizou Mitrokhin, dizendo que não passava de um arquivista e que os seus
materiais são de autenticidade duvidosa.
Pior ainda, o SVR — sucessor
russo do KGB — prossegue um vigoroso esforço de espionagem contra os Estados
Unidos. Em Dezembro passado, um «diplomata» russo em Washington foi expulso dos
EUA na sequência de uma acusação de espionagem. Um aparelho de escuta tinha
sido «plantado» numa sala de conferências do Departamento de Estado e, segundo
o FBI, ele fora detido enquanto escutava uma reunião, sentado no carro,
estacionado perto do edifício.Entretanto, Mitrokhin tem que viver sob um nome
falso numa casa rigorosamente vigiada, em Inglaterra. Diz
temer que algum assassino vingativo do SVR atente contra a sua vida. «As
pessoas, as organizações e os objectivos são os mesmos», disse ele ao Times
londrino. «Todos os chefes fazem parte da mesma velha rede. E são todos
criminosos.»