Vem aí o horário eleitoral (que não é nada gratuito)
POR EUGÊNIO BUCCI
Em
agosto, quando as eleições municipais esquentarem um pouco mais,
entrará no ar o famoso horário eleitoral “gratuito”. Que não é gratuito
coisa nenhuma. Muita gente paga por ele, a começar de nós mesmos: eu,
você e os demais cidadãos. Isso mesmo. Você paga – e não paga pouco.
E de quanto é a dolorosa? Tomemos como base o ano de 2010, quando tivemos eleições presidenciais. Naquele ano, a compensação fiscal dada às emissoras pela transmissão da propaganda eleitoral impôs aos cofres públicos um corte de R$ 850 milhões. Foi a própria Receita Federal que fez a estimativa, conforme noticiou oficialmente a Agência Câmara, logo em 17 de agosto de 2010. É curioso. Falam em aprovar no Brasil o financiamento público das campanhas políticas. Mas, quando olhamos para esses R$ 850 milhões, não há outra conclusão possível: uma parte – parte expressiva, muito expressiva – do financiamento das campanhas eleitorais já é pública. E cara.
Vamos repetir esse número. São R$ 850 milhões num ano só. Você acha muito? Acha que é uma remuneração razoável pelo tempo de todas as emissoras do Brasil? Para as próprias emissoras, a conta não bate. Elas afirmam que, na prática, os cifrões que deixam de recolher ao Fisco ficam bem abaixo do que ganhariam se o horário fosse vendido normalmente. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), embora afirme respeitar o horário eleitoral como um canal de esclarecimento para o eleitorado, não esconde que, para as empresas de radiodifusão, as campanhas eleitorais são financeiramente um péssimo negócio – e ainda por cima espantam a audiência. Pela lei, as rádios e TVs poderiam recuperar até 80% do valor de tabela dos minutos que cederam. No mundo real, porém, elas recuperam menos e arcam, também elas, com parte do prejuízo.
Até aqui, portanto, nós pagamos uma fatia da fatura, e as emissoras pagam outra. Só que a cobrança não termina aqui. Ela continua, com juros e correções especulativas, no nebuloso mundo das agressões e dos conchavos entre os caciques da política pátria. Eles também são chamados a assumir despesas. Eles também desembolsam seus patrimônios – constituídos de outras moedas.
Indiretamente, nós pagamos pelo tempo de propaganda na TV – sinônimo de votos, que significa poder.
Estamos num país em que os agentes políticos acreditam que todo o poder emana do horário eleitoral (que não é gratuito, como você está vendo). Por um minuto a mais de televisão, os chefes partidários são capazes de dar tudo, de empenhar tudo. Aliam-se a belzebu, penhoram a reputação (essa moeda depreciada), rifam a biografia. E que fique bem claro: não é o caso de um ou de outro caudilho, de uma ou outra “pasionaria” – é o caso de todos eles (e elas), mesmo dos que (ou das que) se lamuriam, mas no fim das contas se acomodam.
Nunca antes na história deste país se atribuiu tanto poder à imagem. Nunca tantos pagaram tão caro por tão inflacionados closes de televisão. Se na guerra os generais contam tanques e ogivas, na política brasileira contam segundos, décimos de segundo. As alianças não têm sentido ideológico nenhum, é tolice choramingar. Elas têm sentido publicitário. É o que basta. Os ideólogos foram escanteados pelos marqueteiros, para sempre, e os marqueteiros custam os olhos da cara e os zarolhos da coroa.
Alguns se perguntam, incrédulos, se a televisão vale tudo isso. Outros elucubram sobre o grau de influência da internet sobre a formação da vontade do eleitor. À toa. Na cabeça dos caciques, a TV é o tabuleiro (picadeiro?) da política. E é isso mesmo. A TV é o centro, de um jeito ou de outro. As redes sociais ecoam o que a televisão pauta. Funcionam como linha acessória. Por enquanto, ao menos por enquanto. O campo de batalha é a TV, com suas ilusões e seus fetiches traiçoeiros. Como esse de parecer que, nela, a imagem nos chega de graça, como a chuva no Cerrado – como o sorriso dos demagogos.