Médica de Niterói se rebela e rasga o verbo!
Carta da Dra. MARIA ISABEL LEPSCH ao Governador do RIO DE JANEIRO, SERGIO CABRAL.
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Sabe governador, somos contemporâneos, quase da mesmaidade, mas vivemos em mundos bem diferentes. Sou classe média, bemmédia, médica, pediatra, deprimida e indignada com as canalhices queestão acontecendo. Não conheço bem a sua história pessoal e certamenteo senhor não sabe nada da minha também. Fiz um vestibular bastantedisputado e com grande empenho; tive a oportunidade de freqüentar aUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, hoje esquartejada pelaomissão e politiquices do poder público estadual. Fiz treinamento noHospital Pedro Ernesto, hoje vivendo de esmolas emergenciais em trocade leitos da dengue.
Parece-me que o senhor desconhece esta realidade.O seu terceiro grau não foi tão suado assim, em universidade sem muitoprestígio, curso na época pouco disputado, turma de meninos Zona Sul...Aprendi medicina em hospital de pobre, trabalhei muito sem remuneraçãoem troca de aprendizado. Ao final do curso, nova seleção, agora, pararesidência. Mais trabalho com pouco dinheiro e pacientes pobres, opovo... Sempre fui doutrinada a fazer o máximo com o mínimo. Muitasnoites sem dormir, e lhe garanto que não foram em salinhasrefrigeradas costurando coligações e acordos para o povo que o senhornem conhece o cheiro ou choro em momento de dor. No início da décadade noventa fui aprovada num concurso para ser médica da Secretaria deSaúde do Estado do Rio de Janeiro'. A melhor decisão da minha vida, daqual hoje mais do que nunca não me arrependo, foi abandonar estecargo. Não se pode querer ser Dom Quixote, herói ou justiceiro. Dóiassistir a morte por falta de recursos.
Dói, como mãe de quatrofilhos, ver outros filhos de outras mães não serem salvos por falta decondições de trabalho.Fingir que trabalha, fingir que é médico, estar cara-a-cara com opaciente como representante de um sistema de saúde ridículo, ter apossibilidade de se contaminar e se acostumar com uma pseudo-medicinaé doloroso, aviltante e uma enorme frustração. Aprendi em muitasdaquelas noites insones tudo o que sei fazer e gosto muito do que eufaço. Sou médica porque gosto. Sou pediatra por opção e com convicção.Não me arrependo. Prometi a mim mesma fazer o melhor de mim. É umdeboche numa cidade como o Rio de Janeiro, num estado como o nosso,assistir políticos como o senhor discursarem com a cara mais lavadaque este é o momento de deixar de lenga-lenga para salvar vidas. Quevidas, senhor governador? Nas UPAS? Tudo de fachada para engabelar opovão! Por amor ao povo o senhor trabalharia pelo que o senhor paga aomédico? Os médicos não criaram os mosquitos.
Os hospitais não estãocom problema somente agora. Não faltam especialistas. O que falta équem queira se sujeitar a triste realidade do médico da SES paratentar resolver emergencialmente a omissão de anos.A mídia planta terrorismo no coração das mães que desesperadas correma qualquer sintoma inespecífico para as urgências... Não há pediatraneste momento que não esteja sobrecarregado. Mesmo na medicina privadahá uma grande dificuldade em administrar uma demanda absurda deatendimentos em clínicas, consultórios ou telefones. Todos em pânico.E aí vem o senhor com a história do lenga-lenga. Acorde governador!Hoje o senhor é poder executivo. Esqueça um pouco das fotos com oex-presidente e com a mãe do PAC, esqueça a escolha do prefeito,esqueça a carinha de bom moço consternado na televisão.
Faça a mudança. Execute. "Lenga-lenga" é não mudar os hospitais e ossalários. Quem sabe o senhor poderia trabalhar como voluntário também.Chame a sua família. Venha sentir o stress de uma mãe, não daquelas depracinha com babá, que o senhor bem conhece, mas daquelas que nempodem faltar ao trabalho para cuidar de um filho doente. Venhapreparado porque as pessoas estão armadas, com pouca tolerância, empânico. Quem sabe entra no seu nariz o cheiro do pobre, do povo e osenhor tenta virar o jogo. A responsabilidade é sua, governador.Afinal, quem é, ou são, os vagabundos, Governador?
Dra. Ma. Isabel Lepsch
Niterói-RJ