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ENEM: Avaliar escolas para quê?
As informações sobre o vazamento de questões do ENEM em escolas do Ceará e em Minas Gerais têm levado ao questionamento da lisura desse sistema de avaliação em larga escala. Aliado a isso, mês passado (setembro) ocorreu ampla divulgação dos resultados do ENEM de 2010, que compuseram um ranking das melhores e das piores escolas do Brasil. Muito embora essas duas questões, à primeira vista, pareçam não estar ligadas, há profunda relação entre elas. Será que se o ENEM não tivesse a característica atual de ser um instrumento de “rankeamento” entre as escolas haveria tanto interesse em burlá-lo? Parece-nos que não!
É positiva a repercussão ampla no Brasil de uma questão relacionada à educação, pois historicamente ela tem ocupado apenas notas de rodapé nos debates. Há de se considerar que o que tem sido objeto das discussões são aspectos dos sistemas de avaliação em larga escala enviesados por noções que precisam ser superadas. Entre elas destacam-se a preocupação com a responsabilização, meritocracia e privatização que têm marcado as políticas públicas voltadas à educação no Brasil. Tais políticas são orientadas por instrumentos de avaliação que quantificam e selecionam, por meio de dados obtidos por processos cujas metodologias não reconhecem as especificidades de cada escola e sistema de ensino, o que é questionável sob o ponto de vista científico e injusto socialmente. É possível comparar, em um mesmo ranking, uma escola pública de periferia no interior do Norte ou Nordeste com outra privada do Sudeste que figura entre as de “destaque do ENEM”, na qual a mensalidade é de R$ 2.998,00, com jornada integral, média de 34 estudantes por sala e com alunos que fazem uma prova de proficiência na matrícula?
Outro aspecto relevante a ser considerado nesse debate é que se tornou senso comum entender a avaliação como “prova”, como sinônimo de medida quantitativa que serve apenas para classificar, selecionar e excluir, o que é mais do que óbvio nos números e mais números que compõem o ranking nacional das escolas por meio dos resultados do ENEM e de outros sistemas avaliativos em larga escala, como a Prova Brasil e os “testes” promovidos pelas demais redes públicas, como o SARESP. Passa longe do senso comum a avaliação diagnóstica, formativa e qualitativa, isto é, como um processo constantemente desenvolvido na escola pelo qual se diagnosticariam problemas a superar, reorientariam os processos de ensino-aprendizagem com vistas à sua qualificação, necessária à formação dos alunos.
Além disso, os sistemas de avaliação seletiva e classificatória resultam na culpabilização dos estudantes individualmente e das escolas isoladamente pela qualidade da educação. Assim, servem para premiar (com “bônus”, por exemplo, como ocorre no Estado de São Paulo) ou punir, estabelecer a competição individualizada no interior de sistemas de ensino e entre eles, segundo a lógica do mercado que, assim, transforma a educação, de um direito constitucional, em uma mercadoria. E como mercadoria, isto é, como valor-de-troca no mercado, os processos educacionais se tornam palco de disputas motivadas por interesses de todas as espécies.
A propósito, processos de avaliação seletiva foram implantados no Chile e nos EUA, produzindo resultados catastróficos se avaliados sob a perspectiva dos que entendem a educação de qualidade como direito de todos e dever do Estado, pois resultaram em desigualdades nos sistemas escolares: de um lado, escolas como nichos de excelência, que selecionam alunos na entrada e os habilitam a responder testes; de outro, escolas com baixa qualidade de ensino, que acolhem o restante da população.
Se muito tem sido noticiado e debatido sobre o ENEM, será prudente dedicar parte dessa conversa a tentar responder a questão: para que avaliar escolas? Ao entender a educação como um direito, não é aceitável avaliar para selecionar e excluir, e nem submeter à educação a interesses mercadológicos. A avaliação, como um instrumento indispensável à educação, deve servir ao propósito de qualificar as escolas e formar com qualidade seus alunos, por meio da reflexão de todos os que dela participam em vistas de rever sua trajetória para seu próprio desenvolvimento. Assim desenvolvida, ela estaria menos sujeita às infelizes trapaças que hoje estamos assistindo na aplicação do ENEM. Do contrário, com a avaliação seletiva se tem apenas uma política pública educacional para compor as listas das escolas que serão freqüentadas por uma elite econômica e outras a serem ocupadas por classes empobrecidas, retroalimentando o sistema de exclusão social brasileiro, e sendo sujeita a interesses escusos.
Marcos Francisco Martins – pesquisador do CNPq e professor da UFSCar
Fabiana Colombo – pesquisadora da Unicamp e professora da UFSCar