Lula e Dirceu se pintam para a guerra e resolvem ressuscitar um “grande inimigo”: a imprensa!
19/06/2011 às 6:28Um texto um pouco longo, caras e caros, mas acho que confere clareza ao jogo.
a) apelar à unidade do partido contra os terríveis inimigos;
b) satanizar a oposição, que estaria, mais uma vez conspirando;
c) ressuscitar a guerra contra “a mídia”, tão bem-sucedida no passado.
Voltarei a este ponto. Mas precisamos passear antes por algumas paisagens vizinhas.
O leitor sabe muito bem que nunca antes na história destepaiz houve uma imprensa — ou “mídia”, como chamam os petistas — tão adesista como a que temos. Há exceções? Há! E as exceções, ao se evidenciar, confirmam a regra. Chega a me espantar, por exemplo, o coro de reconhecimento dos últimos dias à grande, à monumental obra do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não é que ele não mereça. O que se tem ainda é muito pouco para retratar com justiça o que foi feito. Mas como deixar de constatar que algumas penas só se moveram depois que a presidente Dilma Rousseff enviou ao tucano uma mensagem em que afirmava seu grande feito para a história do Brasil?
Há, sim, os que se ocupam de fazer jornalismo e de lembrar os princípios de independência que devem orientar a imprensa. E, por isso mesmo, casos como a verdade sobre os aloprados ou o espantoso talento de Antonio Palocci para ficar rico vêm a público, para irritação dos companheiros. Isso não quer dizer que não se viva um momento de cooptação inédito em tempos democráticos. E, como veremos a seguir, para aqueles que realmente comandam o PT — e não é Dilma Rousseff —, isso ainda é muito pouco. Nada serve que não seja a unanimidade.
Luiz Inácio Apedeuta da Silva esteve ontem no Encontro das Macro Regiões Estaduais do PT, na cidade de Sumaré, em São Paulo. Estava acompanhado de José Dirceu, aquele que a Procuradoria Geral da República diz ser chefe de quadrilha, o subcomandante do mensalão. Ambos fizeram, vocês viram num post abaixo, a defesa da administração de Campinas, depois de cobrados em cena aberta por Dr. Hélio, o prefeito. Só lhe faltou dizer: “Eu me lembro de vocês; vocês se lembram de mim?” Sim, eles se lembravam. E usaram o exemplo pessoal para provar como o mundo pode ser injusto, e os adversários, perversos.
A unidade contra o inimigo é o trivial ligeiro de qualquer batalha. É pouco. Então foi preciso investir numa velha fantasia, que andava ausente dos discursos nesses quase seis meses de governo Dilma: o ataque à imprensa. A qual imprensa? Àquela que é subordinada do petismo e que decidiu ressuscitar o clima Don & Ravel e fazer a versão “jornalística”, e infinitamente mais pobre, de “Porque me ufano do meu país”, levando Afonso Celso a se remexer na tumba? Não! Lula e Dirceu atacam a imprensa que cumpre o seu papel. “O ex-presidente falou da estratégia de seu governo de privilegiar os pequenos veículos de comunicação do interior do país, as chamadas mídias regionais, para se comunicar com o eleitorado. ‘Consegui criar outra forma de conversar com as pessoas que não fosse através dos grandes meios de comunicação, passando a falar nas rádios e jornaizinhos locais. Essa gente (do interior) não lê os grandes jornais, o que vale é a imprensa local, a rádio local”, ensinou.
O petista lembrou que essa bem sucedida mudança na comunicação oficial envolveu também a redistribuição das verbas publicitárias do governo. Segundo Lula, essas verbas eram destinadas a cerca de 378 veículos no início de sua gestão. E, no ano passado, eram oito mil veículos (entre rádios, jornais, revistas e TVs) que repartiam essa verba.”
“Falando aos militantes logo depois de Lula, que deixou o evento após discursar, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu disse que hoje a mídia ‘faz o papel da oposição’ no país, organizando a agenda e pautando as ações da oposição. ‘O partido precisa responder aos ataques que já está sofrendo e vai sofrer. Se tem problema de corrupção, que se investigue’, disse. Segundo Dirceu, o partido não deve permitir o ‘uso político’ dessas denúncias: ‘Se hoje temos o Ministério Público e a Polícia Federal investigando, isso foi por conta do nosso governo. Por isso, não vamos permitir que se faça uso político desse tipo de denúncia’.”
Consta que Dilma pediu que o PT, que vem lhe criando alguns problemas, tomasse um pito. Isso pode passar a impressão, errada, de que ela está no controle e de que ambos cumprem uma tarefa encomendada. Besteira! Os pronunciamentos de Lula e Dirceu correspondem a um esforço para encabrestar a mandatária e para lhe impor uma agenda, a que ela tem resistido: hostilizar a imprensa e anatematizá-la como “partido de oposição”.
Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu resolveram pintar todas as suas caras para a guerra. Já estamos em ano pré-eleitoral, o PT bate cabeça, e companheiros são vítimas de fogo amigo. A oposição é pequena demais para criar constrangimentos ao governo, como se nota. As dificuldades todas do Planalto estão na própria base aliada, em especial no próprio PT, mas a Soberana não tem jogo de cintura para fazer política. Numa pequena entrevista em que comentava a Medida Provisória que torna secretos os gastos da Copa de 2014, voltou àquele velho estilo da bronca, com dedo em riste e cenho fechado. Então é hora de apelar ao comitê central. Lula e Dirceu reuniram a petistada com três propósitos:
a) apelar à unidade do partido contra os terríveis inimigos;
b) satanizar a oposição, que estaria, mais uma vez conspirando;
c) ressuscitar a guerra contra “a mídia”, tão bem-sucedida no passado.
Voltarei a este ponto. Mas precisamos passear antes por algumas paisagens vizinhas.
Adesismo inédito
O leitor sabe muito bem que nunca antes na história destepaiz houve uma imprensa — ou “mídia”, como chamam os petistas — tão adesista como a que temos. Há exceções? Há! E as exceções, ao se evidenciar, confirmam a regra. Chega a me espantar, por exemplo, o coro de reconhecimento dos últimos dias à grande, à monumental obra do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não é que ele não mereça. O que se tem ainda é muito pouco para retratar com justiça o que foi feito. Mas como deixar de constatar que algumas penas só se moveram depois que a presidente Dilma Rousseff enviou ao tucano uma mensagem em que afirmava seu grande feito para a história do Brasil?
Vivemos uma era em que a militância de alguns estimula a covardia de outros. Foi preciso que uma figura graduada do petismo desse uma espécie de “autorização” para que, então, alguns tantos de manifestassem. Caso a patrulha se assanhasse, bastaria dizer: “Até Dilma elogiou…” Isso evidencia um momento asqueroso de subordinação intelectual, moral e política a um ente de razão que vigia as consciências.
Eu sei o quanto apanhei nos últimos anos por ter reafirmado aqui, a cada dia, a herança bendita do ex-presidente. Não me atribuo, é evidente, nenhum heroísmo por isso. Escrevo as coisas nas quais acredito — e só as coisas nas quais acredito! Defender FHC está longe de ser a coisa mais difícil que faço. Muito mais trabalhoso tem sido, por exemplo, ter de lembrar ao Supremo que existe uma Constituição no país e que cabe, sim, a um tribunal constitucional tomar decisões que interpretem o espírito das leis, mas não lhe cabe, de modo nenhum, decidir contra a letra explícita da própria Carta ou dos códigos legais cuja caducidade ainda não foi declarada. Isso, sim, tem sido difícil. Apontar as óbvias conquistas de FHC é bico, ainda que, ao longo dos anos, tenha sido uma atividade quase solitária — não nestes últimos dias, depois que a mensagem de Dilma foi tornada pública.
A farsa petista só se constituiu porque se permitiu que o partido e o governo Lula mentissem muito sobre si mesmos e, acima de tudo, sobre seus adversários. Há casos, em que setores da imprensa foram mais do que meros veiculadores da farsa; atuaram como partícipes. Na VEJA desta semana, uma reportagem (ver abaixo) revela, finalmente, os bastidores do dossiê dos aloprados e chega aos mandantes do crime e à origem do dinheiro. Uma entrevista dos empresários-bandidos fazia parte da conspiração.
Não-domesticados
Há, sim, os que se ocupam de fazer jornalismo e de lembrar os princípios de independência que devem orientar a imprensa. E, por isso mesmo, casos como a verdade sobre os aloprados ou o espantoso talento de Antonio Palocci para ficar rico vêm a público, para irritação dos companheiros. Isso não quer dizer que não se viva um momento de cooptação inédito em tempos democráticos. E, como veremos a seguir, para aqueles que realmente comandam o PT — e não é Dilma Rousseff —, isso ainda é muito pouco. Nada serve que não seja a unanimidade.
Fabricantes de provas
Luiz Inácio Apedeuta da Silva esteve ontem no Encontro das Macro Regiões Estaduais do PT, na cidade de Sumaré, em São Paulo. Estava acompanhado de José Dirceu, aquele que a Procuradoria Geral da República diz ser chefe de quadrilha, o subcomandante do mensalão. Ambos fizeram, vocês viram num post abaixo, a defesa da administração de Campinas, depois de cobrados em cena aberta por Dr. Hélio, o prefeito. Só lhe faltou dizer: “Eu me lembro de vocês; vocês se lembram de mim?” Sim, eles se lembravam. E usaram o exemplo pessoal para provar como o mundo pode ser injusto, e os adversários, perversos.
Seguindo a linha de defesa do prefeito, atacaram o PSDB e politizaram a questão. Lula se disse de “saco cheio” de ver “companheiros acusados” sem provas etc e tal. Digamos que fosse verdade. A boca torta pelo uso do cachimbo desmoralizaria a sua crítica. De toda sorte, a verdade sobre o caso dos aloprados, por exemplo, revelada ontem por VEJA, demonstra que o PT é realmente singular: se não existem “provas” contra seus adversários, eles se encarregam fabricá-las. O método é tão disseminado que pode até vitimar um companheiro de partido, como aconteceu no Mato Grosso contra Serys Slhessarenko.
O caso de Campinas foi evocado para lembrar quão terríveis são as oposições, o que evidencia, então, a necessidade da união dos petistas, que têm de parar com aquela brigalhada. Lula sabe que foi o fogo amigo que colheu Antonio Palocci, por exemplo, mas não pode admiti-lo. Então recorre a um clássico: acusa o cordeiro que bebe água rio abaixo de turvar a água rio acima. O PT, partido que exerce a hegemonia inequívoca do processo político, estaria sendo impiedosamente perseguido!!!
De volta à mídia
A unidade contra o inimigo é o trivial ligeiro de qualquer batalha. É pouco. Então foi preciso investir numa velha fantasia, que andava ausente dos discursos nesses quase seis meses de governo Dilma: o ataque à imprensa. A qual imprensa? Àquela que é subordinada do petismo e que decidiu ressuscitar o clima Don & Ravel e fazer a versão “jornalística”, e infinitamente mais pobre, de “Porque me ufano do meu país”, levando Afonso Celso a se remexer na tumba? Não! Lula e Dirceu atacam a imprensa que cumpre o seu papel.
O Babalorixá voltou à ladainha de seus oito anos de mandato. Fosse pela imprensa, disse aos petistas em delírio, não teria deixado o governo com 87% de aprovação popular. Só se esqueceu de dizer que essas medições de popularidade e sua própria divulgação foram feitas pela… imprensa. O Apedeuta deu a receita, segundo relato de O Globo:
O petista lembrou que essa bem sucedida mudança na comunicação oficial envolveu também a redistribuição das verbas publicitárias do governo. Segundo Lula, essas verbas eram destinadas a cerca de 378 veículos no início de sua gestão. E, no ano passado, eram oito mil veículos (entre rádios, jornais, revistas e TVs) que repartiam essa verba.”
Em suma, ele deixou claro que usou dinheiro público para comprar apoio da “boa imprensa”.
Se isso lhe parece pouco, é porque José Dirceu ainda não havia se pronunciado. Ainda segundo o relato de O Globo:
“Falando aos militantes logo depois de Lula, que deixou o evento após discursar, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu disse que hoje a mídia ‘faz o papel da oposição’ no país, organizando a agenda e pautando as ações da oposição. ‘O partido precisa responder aos ataques que já está sofrendo e vai sofrer. Se tem problema de corrupção, que se investigue’, disse. Segundo Dirceu, o partido não deve permitir o ‘uso político’ dessas denúncias: ‘Se hoje temos o Ministério Público e a Polícia Federal investigando, isso foi por conta do nosso governo. Por isso, não vamos permitir que se faça uso político desse tipo de denúncia’.”
Santo Deus!
Zé Dirceu não resiste nem à lógica pedestre. Se fosse verdade que a imprensa faz o papel da oposição, então haveria de se admitir que a oposição não desempenha o seu papel, certo? Se ele está descontente com isso, estamos diante da prova de que ele não suporta… oposição! Bem, isso é verdade mesmo sendo falsa a premissa. Vejam que adorável: “Se tem problema de corrupção, que se investigue”, mas não, entenda-se, os petistas! Porque aí passa a ser “ataque”. Ele também não quer “uso político da denúncia”. Surgindo uma falcatrua no governo, as oposições devem ficar em silêncio… Quanto ao Ministério Público… Bem, Palocci caiu sem que a PF e a Procuradoria-Geral tivessem movido uma palha. Não foi a oposição que o derrubou, mas a sua dinheirama. E Dirceu não precisa enganar ninguém: ele não está infeliz com isso. Qualquer oposicionista, escolhido aleatoriamente, tinha com o ex-ministro uma relação mais harmoniosa do que seu rival de consultoria.
Lula está onde sempre esteve — inclusive nos oito anos de mandato: em cima do palanque. Dirceu é figura ativa no petismo, mas, com Palocci na articulação política, ele se resguardava mais, ficava na sombra, roendo um tanto os cotovelos. O outro tolhia muito dos seus movimentos. Não é mera coincidência que tenha voltado a atuar com tanta saliência — está sendo saudado até como amigo das artes!!! Vai acabar virando o Edemar Cid Ferreira da ideologia!!!
Vai dar resultado?
Consta que Dilma pediu que o PT, que vem lhe criando alguns problemas, tomasse um pito. Isso pode passar a impressão, errada, de que ela está no controle e de que ambos cumprem uma tarefa encomendada. Besteira! Os pronunciamentos de Lula e Dirceu correspondem a um esforço para encabrestar a mandatária e para lhe impor uma agenda, a que ela tem resistido: hostilizar a imprensa e anatematizá-la como “partido de oposição”.
Sabem o que é trágico? Isso já funcionou no passado — sim, sim, com exceção daqueles que não se deixam domesticar. Quando Lula começa com essa ladainha, tem início o esforço desesperado de muitos diretores de redação: “Precisamos de denúncias contra a oposição também”. A rede a soldo de blogueiros e chicaneiros começa a patrulhar os veículos — tentam fazer isso no meu blog; eu os chuto — e acabam emplacando as suas pautas; até porque a patrulha está presente de modo acachapante nas redações. Sim, pouco importa a camisa do malfeitor, notícia é notícia. Mas o PT não pode ser o tribunal a julgar a isenção do noticiário.
Eles estão de volta à sua natureza! Vem aí outra guerra contra a imprensa. Podem apostar.
Por Reinaldo Azevedo